As últimas décadas foram especialmente marcadas por constantes e relevantes modificações na legislação processual penal dos países latino-americanos, chegando o momento do Brasil, com a denominada lei “anticrime”. Além da guinada em busca de uma estrutura puramente acusatória através da previsão expressa do artigo 3º-A do Código de Processo Penal e de outros importantes avanços no processo penal brasileiro, a Lei nº 13.964/19 provocou significativas alterações no capítulo destinado às medidas cautelares pessoais, dos quais se destacam: 1) a impossibilidade da decretação da medida ex officio durante a ação penal; e 2) a revisão periódica da segregação preventiva pelo julgador.
A primeira alteração, ao vedar ao juiz a iniciativa de impor medidas cautelares que restrinjam direitos do indiciado ou acusado, conforme dispõe o artigo 311, caput, do CPP, vai ao encontro da opção expressa de um modelo processual penal de cariz acusatória (artigo 3º-A do Código de Processo Penal), impossibilitando que o magistrado substitua o titular da ação penal [1]. Por conseguinte, o que antes da Lei nº 13.964/19 era resultado de uma interpretação constitucional do processo penal em conformidade à estrutura de um Estado democrático de Direito, passou a ser um mandamento formal disciplinado na legislação infraconstitucional.
A segunda inovação legislativa deriva da inclusão do parágrafo único do artigo 316 do CPP, que prescreve a obrigatoriedade legal do magistrado revisar a imprescindibilidade da prisão preventiva a cada 90 dias, a despeito de qualquer provocação das partes, sob pena de torná-la ilegal. Dissertando sobre a provisionalidade das medidas de cunho cautelar no processo penal, Giacomolli explica que, por serem embasadas em uma situação fática e concreta que indica sua necessidade, são cabíveis apenas enquanto perdurar a conjuntura individualizada utilizada como fundamento para sua decretação [2]. Na mesma perspectiva, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, a partir de decisão no Case of McKay v The United Kingdom (Application nº 543/03), estabeleceu que “as cortes domésticas são obrigadas a revisar, automaticamente e sem a provocação do detido, a pertinência ou não da manutenção de detenção provisória, garantindo a revogação da medida quando as circunstâncias não mais justificarem a medida” [3].
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Íntegra do artigo disponível no Portal CONJUR em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-03/giacomolli-pippi-duas-licoes-2020-prisao-cautelar
Marcos Pippi é advogado, sócio do escritório Pippi Advocacia Especializada, mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e especialista em Ciências Penais pela PUCRS.
Felipe Giacomolli é advogado, sócio do escritório Giacomolli Advocacia e Consultoria, mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS.