A determinação da configuração do crime de lavagem de dinheiro frequentemente envolve complexidades no que tange à necessidade de um crime antecedente. Ao longo dos anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem proferido decisões sobre variadas circunstâncias que destacam a complexidade dessa exigência. O presente artigo analisa as recentes decisões do STJ que elucidam a relação entre o crime de lavagem de dinheiro e o delito antecedente, focalizando as discussões nas hipóteses de atipicidade e de pagamento integral do débito.
Atipicidade do delito antecedente: Um desenvolvimento notável no entendimento sobre a configuração da lavagem de dinheiro foi alcançado com o julgamento do RHC 161.701-PB pelo STJ em março de 2024, sob a relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior. Neste caso, a corte decidiu que a ausência de um delito antecedente exclui a tipicidade do crime de lavagem de dinheiro. Este julgamento reafirma que a lavagem de dinheiro, como um crime acessório, depende fundamentalmente da existência de um crime base. A decisão ressalta a necessidade de um delito antecedente para uma configuração legítima da lavagem de capitais, invalidando a imputação deste crime na falta de infrações penais precedentes.
Pagamento integral do débito tributário: No mesmo julgamento (RHC 161.701-PB), foi também considerado o impacto do pagamento integral do débito tributário antes da constituição definitiva do crédito. A corte determinou que tal pagamento resulta na extinção da punibilidade do crime antecedente, neste caso, contra a ordem tributária. Por conseguinte, tal ato elimina a base para quaisquer acusações subsequentes de lavagem de dinheiro, uma vez que o crime base foi resolvido e sua natureza criminosa anulada.
Indícios suficientes do delito antecedente: Além da atipicidade e do pagamento integral, outra hipótese relevante é a existência de indícios suficientes do delito antecedente. Decisões como nos casos AgRg no AgRg no HC n. 782.749/SP e AgRg no HC n. 834.986/MT demonstram que, para a configuração da lavagem de dinheiro, não é necessária uma condenação formal pelo crime antecedente, mas a presença de indícios suficientes de sua ocorrência.
Efeito da prescrição do delito antecedente: A questão da prescrição do delito antecedente também foi abordada. Conforme estabelecido em decisões como o REsp n. 1.170.545/RJ e o AgRg no HC n. 865.042/SP, a prescrição do delito antecedente não impede a possibilidade de punição pelo crime de lavagem de dinheiro.
As decisões do Superior Tribunal de Justiça destacam a complexidade inerente à configuração do crime de lavagem de dinheiro, especialmente no que se refere à relação deste com o delito antecedente. Essa relação não é meramente incidental, mas profundamente enraizada na legislação penal, que exige a existência de um crime base para validar a acusação de lavagem. As variadas situações judiciais, que vão desde a atipicidade do crime antecedente até os efeitos da sua prescrição, refletem a delicada balança entre autonomia processual e dependência factual que caracteriza esse crime econômico complexo.