Entre a expansão estratégica e o risco da responsabilização pessoal
1. O fascínio das operações e os riscos invisíveis
As operações de fusões e aquisições (M&A) ocupam papel central no mercado corporativo. São transações que mobilizam cifras expressivas, atraem atenção da imprensa especializada e representam, para muitas companhias, o ápice de sua estratégia de expansão, diversificação ou reposicionamento.
Entretanto, a celebração de um deal não se resume à aquisição de ativos, contratos ou oportunidades. Ao adquirir uma empresa, assume‑se também o seu histórico, com todos os compromissos, litígios e potenciais irregularidades que possam emergir posteriormente. É nesse contexto que se inserem os passivos ocultos, elementos que podem ir além do impacto financeiro e alcançar a reputação institucional da adquirente, além de expor gestores e conselheiros a responsabilidade pessoal.
2. O legado jurídico das empresas adquiridas
Entre os passivos ocultos de maior sensibilidade estão aqueles de natureza regulatória e penal. São riscos que, muitas vezes, não são identificados em análises preliminares, mas que podem comprometer seriamente a continuidade e a rentabilidade da operação.
Casos recorrentes envolvem crimes ambientais decorrentes de passivos em áreas de exploração, fraudes contábeis capazes de inflar artificialmente o valuation de uma companhia, ou ainda práticas de corrupção e lavagem de dinheiro que permanecem latentes até a deflagração de investigações. A consequência é dupla: compromete‑se a solidez econômica da transação e, simultaneamente, aumenta‑se a exposição de administradores a litígios e a imputações pessoais.
3. Due diligence como ferramenta de proteção
Tradicionalmente, a due diligence concentra‑se em aspectos societários, fiscais e trabalhistas. Embora fundamentais, esses eixos não são suficientes para lidar com a complexidade regulatória e criminal que hoje se impõe no cenário empresarial. Surge, nesse contexto, a due diligence de integridade, voltada a mapear riscos éticos, regulatórios e penais.
Essa análise envolve não apenas a documentação societária, mas também o histórico de interações com órgãos públicos, a verificação de indícios de práticas ilícitas e a avaliação de litígios de maior materialidade, inclusive em fase investigativa. Quando conduzida com rigor, a due diligence de integridade não apenas protege contra contingências inesperadas, como também serve de instrumento para renegociação de valores, imposição de cláusulas de garantia e até mesmo para reavaliar a conveniência da operação.
4. O papel do compliance nas operações de M&A
O compliance deixou de ser um mecanismo acessório para se tornar ferramenta estratégica. Nas operações de M&A, cumpre uma dupla função:
- Preventiva, ao identificar potenciais ilícitos e fragilidades de governança antes da conclusão do negócio, permitindo decisões informadas e a adoção de cláusulas de blindagem contratual.
- Reativa, ao estruturar protocolos de resposta que reduzem o impacto de condutas ilícitas eventualmente descobertas após a operação, evitando que situações isoladas se transformem em crises reputacionais ou em responsabilização penal de administradores.
A robustez de um programa de compliance, portanto, não apenas preserva o valor da transação, como assegura a continuidade do negócio e protege a reputação institucional de todos os envolvidos.
5. Responsabilidade pessoal e blindagem reputacional
A jurisprudência brasileira e internacional tem restringido, cada vez mais, o espaço para a alegação de desconhecimento como forma de afastar a responsabilidade de gestores. Em muitos casos, a ausência de diligência adequada é interpretada como negligência grave ou até como cegueira deliberada.
Assim, a responsabilização pessoal de administradores não decorre apenas de atos dolosos, mas também da omissão em adotar medidas de prevenção. Blindar‑se contra esses riscos significa, em última análise, proteger não apenas a empresa, mas também a trajetória individual e reputacional daqueles que a conduzem.
6. Conclusão: segurança jurídica como diferencial competitivo
As operações de M&A permanecerão como instrumentos essenciais de crescimento empresarial. Todavia, cada transação carrega consigo uma dimensão de riscos ocultos que pode transformar oportunidade em passivo.
Identificar e tratar esses riscos por meio de due diligence de integridade, programas robustos de compliance e estruturas sólidas de governança é mais do que cautela: é estratégia. Em um ambiente de crescente escrutínio regulatório, a segurança jurídica não se limita a um requisito de conformidade, mas constitui diferencial competitivo para empresas que desejam crescer de forma sustentável e preservar sua reputação institucional.