Medida cautelar (a)típica: suspensão das atividades da empresa em investigação criminal

A necessária contenção da atividade criminosa no ambiente empresarial carrega consigo um relevante desafio, em especial, nas empresas que possuem atividades lícitas e em determinado recorte são investigadas por indícios de práticas ilegal. Não são raros os casos em que o Ministério Público requer ao juízo criminal, de forma cautelar, a suspensão das atividades da empresa, seja pela prática contínua de ilícitos na atividade comercial [1], no ambiente tributário-fiscal [2] ou das contratações públicas [3]. No entanto, o que se deve levar em consideração neste tema é que a paralisação da atividade da empresa, ainda que parcial, traz à tona diversos reflexos na atividade central da empresa (por vezes relacionadas a contratos públicos que possuem natureza contínua) ou na cadeia produtiva, na segurança jurídica dos contratos vigentes, das relações trabalhistas existentes, entre outros temas.

Nesse sentido, torna-se necessário recordar brevemente sobre a origem das medidas cautelares no processo penal. Quando inseridas na legislação processual no ano de 2011, o rol medidas cautelares surge como uma série de instrumentos que, em suas funções, visava reduzir o número de segregações e (re)conduzir o instituto da prisão preventiva para sua função precípua como ultima ratio. A partir disso, emergia a previsão legal para, por exemplo, a possibilidade de cautelares que visavam a proibição de frequência a determinados lugares e, tão logo, da suspensão do exercício de função pública ou “de atividade de natureza econômica ou financeira”.

Em um fenômeno de elasticidade de suas funções no ambiente penal, especialmente no ambiente empresarial, as decretações de medidas cautelares que visam a suspensão das atividades econômicas ou financeiras deixaram de alcançar tão somente o quadro societário e passaram a ser aplicadas para a pessoa jurídica, revestidas sob o fundamento da necessária cessação da atividade criminosa e da imprescindível garantia da ordem pública e ordem econômica durante a investigação e contrariando a própria principiologia aplicável às medidas cautelares pessoais.

Isto é, a aplicação da medida deve considerar, por sua vez, a responsabilidade penal desses entes abstratos (leia-se pessoa jurídica) que não dispõem de “capacidade ‘natural’ de ação e carecem de capacidade para culpabilidade” [4]. Ou melhor, o cometimento de ato ilícito por administradores não pode impedir a continuidade da atividade econômica da empresa, sendo suficiente o afastamento daquele que se investiga a autoria do ato criminoso.

Nesse sentido, quando do surgimento da medida cautelar, Gebran Neto, referiu que se o crime cometido em continuidade delitiva, como a prática crimes fiscais em continuidade delitiva, por meio de uma empresa lícita, bastaria a suspensão dos seus direitos, com a retirada dos seus poderes de administração da empresa. No tocante a continuidade das atividades da empresa, o autor ainda refere que se, caso não seja possível, por questões de aptidão ou técnica, que outro sócio não envolvido com o ato ilícito, assuma a administração da empresa, poderia ser nomeado um administrador judicial, pois se aplicariam as normas relativas à lei que dispõe sobre a recuperação judicial [5].

Contudo, no ambiente das atividades empresariais reguladas (ex.: setor de gás e energia, instituições financeiras), nada impede, todavia que providências administrativas sejam impostas, a intervenção direta das imposições da esfera criminal, resultaria em uma  constante tensão entre as liberdades necessárias de mercado dentro de um Estado Social e Democrático de Direito e ameaça de intervenção reguladora da economia através do Direito Penal [6].

A partir disso, em sede de argumentos contrários à extensão da medida cautelar às pessoas jurídicas, ao menos três princípios deveriam ser observados: o da reserva legal, o da continuidade empresarial e o da segurança das relações jurídicas. Os dois últimos são estranhos à doutrina do processo penal brasileiro.

Porém, de modo objetivo, atenta-se que a suspensão das atividades da pessoa jurídica, enquanto medida cautelar, não pode ser aplicada, pois a empresa é considerada terceira pessoa na relação processual, sendo uma figura abstrata cujos atos, realizados por seus dirigentes, não podem ensejar a sua responsabilização criminal [7].

Por sua vez, o princípio da continuidade empresarial vincula-se à preservação da empresa. A suspensão das atividades, ainda que parcial, impacta diretamente no fluxo financeiro, podendo afetar obrigações futuras como o pagamento de fornecedores e a adimplência dos salários dos empregados. Nesse sentido, Fábio Guaragni e Fernando Sobrinho assinalam que o princípio “escora-se fortemente na compreensão de que a função social da empresa transcende o puro interesse do lucro em favor do estafe de dirigentes e sócio proprietários” [8].

Por último, no tocante a segurança das relações jurídicas, a suspensão da atividade empresarial deve ser aplicada com o intuito de minimizar danos e não de potencializa-los, sob pena da cautelar resulte na eliminação de empregos, desabastecimento, queda na arrecadação de impostos e restrição nas opções de consumo, com efeitos macroeconômicos significativos [9]. Desse modo, o sócio ou o administrador nomeado, responsável pela manutenção da atividade empresarial, tomará as providências administrativas adequadas para pôr fim à prática ilícita e, adicionalmente, elaborará um plano de gestão que inclua o cumprimento das obrigações cujo não cumprimento motivou a intervenção [10].

Confira a íntegra do artigo no CONJUR: https://www.conjur.com.br/2023-dez-19/medida-cautelar-atipica-a-suspensao-das-atividades-da-empresa-em-investigacao-criminal/

Marcos Pippi – Advogado, sócio do escritório Pippi Advocacia, mestre e especialista em Ciências Criminais pela PUC-RS, pós-graduado em “Garantias Constitucionais do Processo Penal” pela Universidad Castilla-La Mancha de Toledo (Espanha).

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