Planejamento Patrimonial e Reação Fiscal: o caso das holdings “3 células” no RS

Programa de autorregularização das holdings “3 células”: prazo final para adesão até 31 de agosto de 2025

A Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, por meio da Receita Estadual, lançou em julho de 2025 um programa de autorregularização voltado ao ITCD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação). O foco está em operações de planejamento sucessório estruturadas por meio da chamada holding “3 células”, modelo que vem sendo utilizado por grupos familiares para viabilizar a transferência patrimonial inter vivos com expressiva redução da base de cálculo do imposto.

O prazo para adesão voluntária à regularização se encerra em 31 de agosto de 2025, aplicando-se a operações realizadas entre 2023 e 2024. A medida inaugura um formato inédito de reação fiscal frente a estratégias patrimoniais complexas e marca uma inflexão nas relações entre contribuintes de alta renda e a administração tributária estadual.

Estrutura societária e lógica do modelo “3 células”

A engenharia societária da holding “3 células” envolve a constituição encadeada de três empresas, cada uma com função específica:

  1. Célula destino: é a empresa que recebe os bens e cujas cotas são doadas diretamente aos herdeiros;
  2. Célula cofre: é o veículo onde o patrimônio (imóveis, ações, quotas) é aportado;
  3. Célula veículo: criada com base no capital social da célula cofre, muitas vezes subavaliado, e que é, ao final, transferida à célula destino mediante uma simulação contratual de compra e venda.

Esse arranjo visa a desidratar a base tributável do ITCD, reduzindo artificialmente o valor dos bens transmitidos. Embora as operações envolvam atos juridicamente válidos em sua aparência (constituição de sociedades, doações e cessões de quotas), o conjunto pode revelar ausência de substância econômica — elemento que, sob o ponto de vista fiscal, pode implicar desconsideração da forma jurídica adotada.


A resposta da Receita Estadual e o uso da autorregularização

A partir de cruzamentos de dados e monitoramento de reorganizações societárias, a Receita Estadual passou a identificar padrões recorrentes no uso do modelo. A alternativa encontrada foi a criação de um canal oficial para que contribuintes regularizem espontaneamente sua situação, antes da instauração de procedimentos fiscalizatórios.

Embora o termo “autorregularização” denote caráter voluntário, a iniciativa é precedida de comunicação formal aos contribuintes identificados, que, ao serem informados sobre inconsistências ou divergências na apuração do ITCD, têm até o fim de agosto para aderir ao programa e quitar eventuais diferenças. Caso contrário, poderão ser autuados com imposição de multas e exigência retroativa do tributo.

Trata-se de um mecanismo de incentivo à conformidade tributária, em linha com as diretrizes do programa Receita 2030+, mas que também opera como instrumento de pressão fiscal indireta.


Aspectos jurídicos relevantes: da regularidade societária ao risco penal

Do ponto de vista jurídico, a iniciativa da administração tributária levanta debates importantes sobre os limites entre o planejamento patrimonial lícito e o abuso da forma jurídica. A construção de holdings familiares, por si só, não configura qualquer irregularidade. Contudo, quando há simulação ou dissimulação de operações com a finalidade exclusiva de reduzir tributos, podem surgir implicações que extrapolam o campo tributário.

Em alguns casos, especialmente quando há falsidade documental, ausência de efetiva operação empresarial ou ocultação patrimonial, o modelo pode ser enquadrado em hipóteses típicas de crimes contra a ordem tributária (Lei n.º 8.137/1990).

A linha que separa a elisão da evasão fiscal torna-se, portanto, cada vez mais tênue e arriscada, especialmente diante da expansão das ferramentas de fiscalização eletrônica e da consolidação de um aparato normativo voltado à integridade das estruturas empresariais.


Considerações finais

O programa de autorregularização lançado pela Receita Estadual do RS inaugura uma nova abordagem fiscal frente a estruturas patrimoniais complexas, baseando-se em inteligência fiscal, cruzamento de dados e indução à conformidade. Para os grupos econômicos, o cenário exige não apenas a reavaliação de estruturas criadas nos últimos anos, mas também uma compreensão clara dos limites legais e dos riscos envolvidos no planejamento sucessório.

Mais do que um alerta para contribuintes, o movimento exige dos profissionais que atuam no desenho de estruturas patrimoniais uma postura prudente, informada e responsável.

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