Responsabilidade Penal no âmbito dos Fundos de Investimento

A sofisticação crescente do mercado financeiro brasileiro, impulsionada pelo protagonismo dos fundos de investimento, impõe uma análise mais apurada sobre os limites e possibilidades da responsabilização penal dos agentes que atuam nesse ambiente. Em um setor que movimenta cifras bilionárias e atrai um volume expressivo de investidores, a fronteira entre decisões de risco e condutas ilícitas nem sempre é evidente — e a atuação do Direito Penal deve respeitar com rigor os princípios constitucionais que regem essa esfera.

Os fundos de investimento, no ordenamento jurídico brasileiro, são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e estruturados como condomínios especiais, sem personalidade jurídica própria. Eles funcionam como comunhões de recursos pertencentes aos cotistas, com patrimônio próprio e segregado, administrado por profissionais autorizados. Com a entrada em vigor da Resolução CVM nº 175/2022, que unificou e atualizou a regulação dos fundos, reforçou-se esse modelo despersonalizado, bem como a definição clara das atribuições e responsabilidades dos prestadores de serviços — especialmente administradores e gestores. O fundo, portanto, atua no mundo jurídico por meio desses agentes, sendo a eles atribuída qualquer eventual responsabilidade, inclusive na esfera penal.

A responsabilização, no entanto, deve estar lastreada na demonstração de conduta típica, ilícita e culpável. Em crimes omissivos, a jurisprudência tem exigido a existência de uma posição de garantidor, prevista legalmente ou decorrente de norma regulatória específica. É o caso de administradores que, por força de lei ou contrato, detêm o dever de vigilância sobre os atos praticados no âmbito do fundo. A omissão só será penalmente relevante se estiver vinculada a um dever jurídico específico de agir e se for possível estabelecer nexo de causalidade entre a omissão e o resultado.

O artigo 13, §2º do Código Penal brasileiro prevê expressamente essa possibilidade, ao dispor que a omissão é penalmente relevante quando o agente tinha o dever legal ou contratual de impedir o resultado. Assim, a simples ineficiência ou a ausência de acerto na tomada de decisão financeira não pode, por si só, ensejar a responsabilização criminal. O gestor não é penalmente responsável por prejuízos inevitáveis, mas por práticas que se distanciam do padrão legal e regulatório de diligência, lealdade e informação.

É nesse ponto que se torna essencial distinguir a esfera administrativa da esfera penal. O sistema de regulação financeira, especialmente por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já dispõe de instrumentos eficazes para apurar condutas irregulares e aplicar sanções administrativas. A responsabilização penal deve ser reservada a situações de real gravidade, nas quais esteja comprovado o dolo ou culpa grave do agente, em violação direta à norma penal, como nos casos de gestão fraudulenta, manipulação de mercado ou uso indevido de informação privilegiada.

A tentativa de expandir indevidamente a responsabilidade criminal para comportamentos meramente omissivos, sem previsão legal clara, viola o princípio da legalidade e cria um ambiente de insegurança jurídica incompatível com o Estado de Direito. A responsabilização penal deve ser excepcional, proporcional e baseada em conduta concreta e individualizada, sob pena de criminalizar decisões legítimas de gestão em um mercado que, por natureza, envolve riscos.

A construção de um ambiente normativo seguro e previsível para o mercado de fundos de investimento exige, portanto, equilíbrio entre os mecanismos de regulação, fiscalização administrativa e repressão penal. O papel do Direito Penal, nesse cenário, não é punir o insucesso, mas coibir condutas ilícitas graves, preservando os princípios fundamentais da justiça penal e os incentivos necessários ao funcionamento saudável do mercado financeiro.

Mais
Conteúdos

O encontro entre a técnica e a pessoalidade.

Redes Sociais

Contato

Quem somos

O que fazemos

Rolar para cima