Sobre o marco inicial da prescrição executória no processo penal

O primeiro semestre de 2022 vem sendo movimentado nas turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça e marcado por decisões importantes, como o papel do magistrado durante audiência de instrução nos termos do artigo 212 do CPP, e o requisito da “fundada suspeita” para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, previsto no artigo 244 do CPP. Desta vez, o controvertido tema do marco inicial da prescrição executória estatal ocupa os bancos da Corte Superior.


Na praxis penal, a prescrição é sem sombra de dúvidas a causa de extinção da punibilidade mais aplicada pelos Tribunais ao redor do Brasil e encontra-se regulada nos artigos 109 a 119 do Código Penal. Entende-se por prescrição a “perda do poder-dever de punir do Estado pela não-satisfação da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo” [1]. Há dois momentos em que a inércia estatal e o decurso de tempo podem ocasionar sua ocorrência: antes de transitar em julgado sentença final condenatória (prescrição da pretensão punitiva) ou após o trânsito em julgado de condenação penal (prescrição da pretensão executória).


O busílis gira em torno da segunda, a prescrição da pretensão executória, que surge a partir da satisfação da pretensão punitiva pelo Estado com a obtenção de uma decisão condenatória definitiva, momento em que surge para o Estado o interesse jurídico em executar a pena aplicada nos prazos previstos nos artigos 110 e 112 do Código Penal [2] [3]. A controvérsia jurisprudencial, todavia, reside especificamente no marco inicial da contagem do prazo da prescrição executória estatal na hipótese em que o condenado recorra da decisão.


Diante deste cenário há dois possíveis posicionamentos. O primeiro, considera que o termo inicial da prescrição da pretensão executória contaria a partir do trânsito em julgado “para ambas as partes”, sendo, nessa visão, considerado “ilógico” [4] que o Estado estará impedido de exercer o jus puniendi enquanto a defesa estiver fazendo uso das vias recursais em Tribunais Superiores, por exemplo. Em apertada síntese, os defensores dessa tese advogam decorrer de uma compreensão sistêmica entre o Código Penal e o Código de Processo Penal, uma vez que o título condenatório só seria exequível após o julgamento de todos os recursos [5].


Nesse sentido, existem julgados do Superior Tribunal de Justiça que afirmam: “Não há que se falar em prescrição da pretensão executória, se ainda não houve o trânsito em julgado para ambas as partes”[6].


De outro lado, há o segundo posicionamento, aplicando a literalidade do dispositivo constante no Código Penal: “a redação do artigo 112 do Código Penal é expressa no sentido de que o termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível começa a correr ‘do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional'” [7]. Atualmente, essa é a posição majoritária do Superior Tribunal de Justiça, como se verifica de quatro recentes julgados nessa vertente: AgRg no AgRg no HC nº 669.494/SP [8], HC nº 723.211/SP [9], EDcl no AgRg no REsp nº 1.943.199/PR [10] e EDcl no AgRg no AREsp nº 1.767.425/RJ [11]. A interpretação literal do artigo 112, I, do CP, além de mais benéfica ao acusado, continua plenamente aplicável uma vez que o dispositivo não foi revogado, declarado inconstitucional ou não recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de modo que permanece sendo a exegese mais adequada sobre o tema.


O Supremo Tribunal Federal, a seu turno, já proferiu decisões endossando a posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça, como no HC n.º 115.269 [12], no Ag em RExt n. 682.013/SP [13]. Atualmente, inclusive, revela-se o Tema n° 788, em sede de Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal em trâmite desde o ano de 2014. Conforme veiculado recentemente, o relator da matéria, ministro Dias Toffoli, apresentou a seguinte tese para discussão pela Corte na sistemática da repercussão geral: “o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes, momento em que nasce para o Estado a pretensão executória da pena”, sendo a interpretação semelhante à do ministro Gilson Dipp, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no ano de 2000 [14].


Destarte, até que o Tema de Repercussão Geral nº 788 não chegue a termo, soa pacífico na jurisprudência dos Tribunais Superiores o entendimento de que o marco inicial da contagem do prazo da prescrição executória no processo penal inicia com o trânsito em julgado para a acusação, prestigiando o disposto no artigo 112, inciso I, do Código Penal.


Íntegra do artigo disponível no Portal CONJUR em: https://www.conjur.com.br/2022-jun-06/giacomolli-pippi-prescricao-executoria-processo-penal

Marcos Pippi é advogado, sócio do escritório Pippi Advocacia Especializada, mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e especialista em Ciências Penais pela PUCRS.
Felipe Giacomolli é advogado, sócio do escritório Giacomolli Advocacia e Consultoria, mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e especialista em Direito Penal Empresarial pela PUCRS.

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